quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Epifania, ou de como demoro demasiado tempo a atingir conclusões óbvias.

Para enquadrar as considerações que aí vêm, conto uma pequena história real, passada hoje. O nome da OP (outra pessoa) será retido para protecção da identidade da mesma.

Toque do telefone pelas 14h30...
Eu: Tou?
OP: (choro compulsivo) Raquel?
Eu: Tou, OP, estás bem? O que se passa?
OP: Preciso de falar contigo (choro) onde estás?
Eu: Estou no sitio X, onde estás tu?
OP: (funga, funga) No sítio Y, quando vens para aqui?
Eu: Ia estudar para o sítio X, só chego aí daqui a umas horas...
OP: Preciso mesmo de falar contigo, manda-me um toque quando vieres para aqui então. (funga)
Eu: Ok, já te ligo então, beijinhos
(desliga)

Duas horas depois, e saindo do local onde estava, por ter achado que alguém que me liga neste estado não pode estar bem e precisará de ajuda rápida, vou ao encontro da OP.
Eu: Afinal o que se passa?
OP: Ah, já estou mais calma. Discuti com a minha mãe e com o meu namorado, as aulas estavam a correr mal e estava engripada, entrei em stress, comecei a chorar, decidi ligar-te e agora estás aqui. Desculpa lá.



Após este episódio, e no regresso a casa, fui casualmente enumerando quais as consequências da minha boa vontade. São elas, entre outras:
* tardes e noites com a minha família estragadas
* assistir a episódios lamentáveis da vida de outras pessoas, e a pessoas que gosto a chorarem baba e ranho sem que eu nada possa fazer
* para cima de 300 euros a menos no banco, sem ver grande chance de mos pagarem de volta
* milhares de sms trocadas e horas perdidas ao telefone por dramas de lana caprina

Contra factos não há argumentos.

Ouvi, durante muitos anos, pessoas importantes na minha vida (mas que não me conhecem tão bem com julgam) dizer que eu sou, entre outras, uma "paz de alma", "excessivamente calma", "imperturbável", "diplomática e nada conflituosa", "uma boa alma", "não sabe dizer que não", blah blah blah.

A verdade? A verdade é que a paga de eventuais actos de boa vontade que possa ter praticado se traduziu em duas coisas, frequentemente cumuladas:
* eu não sou capaz de pedir às pessoas que me rodeiam, exceptuando os suspeitos do costume, que me apoiem nos meus momentos baixos, preferindo geralmente guardá-los para mim para "não chatear os outros com coisas que não lhes interessam", a não ser que genuinamente não consiga aguentar sem partilhar o problema. Por outras palavras, quiçá mais duras, muito raramente consigo confiar nos outros como os outros confiam em mim.
* As pessoas que ajudo, mais vezes do que gostaria de admitir, parecem "desaparecer" da minha vida quando já está tudo bem. Isto, para voltarem a "reaparecer" quando as coisas voltam a não estar como seria desejável.

Lamento profundamente duas coisas em mim.

Uma delas é saber que não sou a pessoa com menor QI, mas que sou profundamente burra quando se trata de inteligência emocional - tão burra que me é muito difícil aprender com os erros, quando se trata de afectos, e as mensagens que já deveria ter aprendido levam muitas vezes mais de uma década a fixar-se no meu cérebro.

Outra, é ter um auto-controle excessivo em certas situações sociais e noutras não. Pudesse ele ser equitativamente distribuído pelas situações sociais em que é necessário, e mais do que uma pessoa me teria visto a ver vermelho e a dizer o que precisa de ser dito, na altura em que deve ser dito.

Infelizmente ou não, antes de chegar à ruptura, ainda tenho um mecanismo de auto-defesa que consiste em afastar-me da situação para não explodir.
Nesse sentido, e com base no mecanismo e nos factos acima expostos, posso apenas retirar uma ilação: a corrida ao "Quem quer ser Madre Teresa de Calcutá?" acabou, porque já vi os prémios que posso levar para casa, e nenhum deles me agrada muito, aparte o sentimento gratificante de me sentir útil e de poder ajudar as pessoas.

Assim sendo, perdoarão, mas a partir de hoje, e por decisão unilateral, vou abrir as portas ao reino do egoísmo - e só ajudarei os outros em situações genuinamente graves. Entenderão certamente que estou cansada. Por isso, dramas de "parti uma unha" e "ele olhou para mim de soslaio e não gostei" acabaram na minha vida, porque adivinhem: A PARTIR DE AGORA, ESTOU-ME A CAGAR PARA ISSO. TEMOS PENA.

Ah, é um mundo de possibilidades que se abre perante mim. *squee*

2 comentários:

Pedro Timóteo disse...

Vê o lado bom das coisas: pelo menos voltaste a escrever. :)

OK, agora mais a sério: a questão de ajudar outras pessoas (ou pedir-lhes ajuda) é algo que tem sido alvo das minhas preocupações nos últimos dias, entre outras coisas porque perdi uma namorada de 4 meses por causa dessa questão no passado Domingo. (sim, estou bem, don't worry.)

Eu acho que menciono naquele post a questão principal: que pedir ajuda ou recusar ajuda não são crimes, que não somos uns monstros por fazer nenhuma das duas coisas.

No teu caso, parece-me que és vítima do segundo erro: sentes-te um monstro se disseres "não" a alguém, e acabas por ficar ressentida com quem pediu ajuda, até porque muitas vezes o fazem, com a maior urgência e stress, por motivos completamente triviais ("parti uma unha", "não encontro as chaves de casa", "meti-me com aquela pessoa e ela não reciprocou").

Acho que a ideia não é ajudares só quando a coisa for "realmente um caso de vida ou morte"; a questão, sim, é aceitares que isso nunca é obrigação, e que nunca és "um monstro" por não poderes, não quereres, não te dar jeito naquele momento, não achares que fazer o que a pessoa te pede seja o melhor para ela, etc.. Pedirem-nos um favor nunca se pode tornar um dever para nós.

Outra coisa: não é justo se fores sempre tu a ajudar e nunca pedires ajuda. Não estou a dizer que inventes problemas só para o poderes fazer :) , mas, quando ajudas alguém, depois pede-lhe ajuda no futuro para coisas simples, tipo "quero ir àquele sítio e gostava de ter companhia" ou "podes ir buscar-me uma coisa àquele sítio que é à porta da tua casa e a quilómetros da minha". Isto faz com que te sintas muito menos "injustiçada" ou "usada" -- e, por conseguinte, sentir-te-ás muito melhor contigo própria

R disse...

Hey...pois, tens razão. Voltei a escrever. O que até é lamentável, porque é reeditar uma tendência antiga de só escrever em situações de grande frustração.
Adiante - tens total razão em relação aos comentários que fizeste. O único aparte que tenho a fazer é que, na questão da reciprocidade e no esperar que os outros me ajudem, é da minha responsabilidade lançar esse pedido de ajuda, e raramente o faço, por uma conjunto de factores que já elucidei... Mea culpa, nesse sentido, porque parte da aprendizagem neste caso terá que passar por confiar nos outros e na possibilidade de eles poderem efectivamente ajudar ou servirem de consolo...
*E obgd pelo comment :)